Pré-projeto em História Regional e História Oral.
Pré-projeto em História Regional e História Oral.
Por: GILVANDRO OLIVIERA DA SILVA
É certo que a
história regional vem ganhando, a cada dia, mais importância na historiografia
brasileira. No estado de Rondônia a história regional ainda tem um campo vasto para
pesquisas e descobertas.
Estudar
história regional é a oportunidade de colocar uma lupa na História do Brasil.
Conhecer melhor a História da Amazônia com ênfase na História de Rondônia é um
momento de aprofundar e personalizar a História que é tratada de forma rápida e
superficial nos livros de História do Brasil.
O estado de
Rondônia ainda é novo, fundado em 1981 e os grandes fluxos migratórios ocorrem
nas décadas de 1970 e 1980 do século XX, sobretudo no interior do estado, como
nova fronteira econômica, inicialmente incentivada pelos governos militares com
os slogans: “ocupar para não entregar” e “terras sem homem para homens sem
terra” e os programas PIN – Plano de Integração Nacional e PIC – Projeto
Integrado de Colonização. Logo,
Rondônia é formada por migrantes de todo o Brasil, que ao chegarem ao prometido
“eldorado” encontraram os seringueiros, “soldados da borracha”, os povos
nativos, além da mata fechada, malária e febre amarela. Mas muitos ganharam a
terra esperada para os homens sem terra. É importante estudar essa migração
regional, local a partir de um trabalho de pesquisa confrontando com a história
oficial, através de entrevistas sobre como e o porquê ocorreu à migração para
Rondônia, o relato dos anônimos, a memória oral das famílias, de cada pioneiro,
buscando historicizar a problemática dos migrantes, as mudanças estruturais que
ocorreram, os diversos interesse e motivações e os conflitos e frustações
geradas. Dessa forma a pesquisa de História regional associa-se a História
cultural e social dando voz aos
anônimos, e é a melhor forma de mostrar que a história é feita por todos, em
todos os momentos da vida, não somente por alguns que participam de feitos
considerados grandiosos.
O
processo migratório para Rondônia nas décadas de 1970 e 1980 do século XX é um
recorte Histórico que precisa de um estudo mais aprofundado. Somente através de
um estudo mais completo de História regional é possível compreender essa parte
da História do Brasil em pormenores. É a História da História da formação de um
país continente e a saga de ocupar e tomar posse de uma região rica, complexa e
adversa, existindo um entrelace antropológico, cujos rios, os religiosos, os
migrantes e os nativos são personagens presentes em todos os recortes
históricos da História da Amazônia e da História de Rondônia. Não estamos
falando em ocupação, a Amazônia já é ocupada conforme estudos recentes a pelo
menos 12.000 anos, não era uma terra sem ninguém, desabitada. O enfoque aqui é
o processo migratório em um tempo e espaço específicos que formam o estado de
Rondônia e não o povoamento da região.
A migração é em
si um ato de coragem, um ato de fé demonstrado ao deixar sua terra, sua cidade,
às vezes seus amigos e parentes na busca de novos horizontes, de uma vida
melhor, na busca de seu sonho, de uma nova oportunidade, seja de ficar rico,
seja um pedaço de terra para plantar. Essas motivações, essas histórias estão
em cada homem e mulher que, em cima de caminhões, dias e dias de viagem,
passando por atoleiros, poeira, restrições e privações chegaram à Rondônia.
Essa migração,
essa busca por novas fronteiras na Amazônia com ênfase ao estado de Rondônia, a
região de Cacoal, através das histórias de personagens anônimos e corajosos que
formam a História regional, é a História do Brasil que queremos conhecer melhor
através da História oral, da memória de vários personagens e colocar essa
memória no papel, comparando, interligando as histórias com a História oficial
e levando a uma nova perspectiva da sua história, da História de Rondônia e do
Brasil. É no estudo do processo migratório que podemos compreender a
diversidade cultural do estado, da região e da cidade e que é a mistura de
povos que formam a cultura local, a identidade do rondoniense e do cacoalense.
O projeto, História oral na história regional: A migração para Rondônia
e a formação sociocultural, busca desenvolver um visão, uma perspectiva sobre o
processo migratório de Rondônia através do olhar, a partir da história das
famílias, dos pioneiros anônimos e com isso também buscar compreender a
diversidade e formação da cultura regional, que emerge na mistura de tantos
povos em um só lugar. Junto a isso ainda temos o estudo de geografia, ao
pesquisar nos mapas essa migração para Rondônia; a valorização da história das
famílias e dos pioneiros como parte integrante da construção da história local
e regional; a valorização dos feitos, sofrimentos, perdas e conquistas e a
construção do ser cidadão com o resgate da identidade enquanto agente do
processo de transformação da história.
O estudo do fluxo
migratório ajuda a explicar à diversidade étnico-racial e sociocultural, as
raízes culturais, a importância dessa história regional e social e a
valorização da memória oral na construção da identidade e fortalecimento do ser
histórico-cultural dos pioneiros e seus familiares e dos rondonienses.
As
migrações resultam de fatores de expulsão e de atração, expressando
transferências de populações de regiões. Pode ser entendido como mobilidade
social, deslocamento de uma região de origem conhecida para outra não
conhecida, estranha a esta. A migração é um processo sócio Histórico complexo
que não se limita a uma simples mudança de cidade ou estado, ou ainda a
mobilidade da força de trabalho. A migração se associa á exposição a uma série
de culturas, valores, religiões e estilos de vida. A este respeito Rocha-Trindade
(1995,p.61) salienta que:
[...] Os
movimentos migratórios são movimentos colectivos, cujo impacto afecta o
desenvolvimento das populações e não podem ser separados dos factos sociais e
culturais que, em larga medida, os determinam. São fenômenos histórica e
culturalmente determinados, irredutíveis a comportamentos objectivos e
racionais, quer individuais quer em grupos e obrigam a considerar o
estabelecimento de redes de inter-relações entre indivíduos, grupos
interdependentes.
O
estudo de História regional aproxima
a História do cidadão, da comunidade, visto que o estudo de assuntos,
fatos, personagens e lugares que eles conhecem ou ouviram falar faz com que
eles sintam-se como conhecedores da história e interessados em cooperar e em
saber mais. São fatos locais que
influenciaram e foram influenciados pelos contextos e acontecimentos nacionais e
até internacionais. Como a História é uma teia de fatos que se entrelaçam por
todos os lados, não é possível estudar História regional como uma ilha na
História, um fato isolado dos acontecimentos da História Nacional e sim como
parte da História do Brasil com ênfase aos acontecimentos locais. Ressalta
(Silva, 2008, s/p) “O papel do ensino de História deve ser o de contribuir para
a formação de indivíduos ativos e críticos diante da realidade dada, de forma a
utilizar as ferramentas dessa disciplina em sua vida cotidiana”.
Na última década os livros sobre a Amazônia e
sobre Rondônia tiveram um grande aumento. Embora a maioria dos livros trate de
um caso, um fato, um recorte da História regional, estes servem de complementos
de aprofundamento de fatos e acontecimentos que muitos não seriam sequer
considerados como parte da História. Isso vem acontecendo principalmente devido
ás novas tecnologias, a memória eletrônica e ao desenvolvimento da História
oral. Os trabalhos realizados por professores da Universidade Federal de
Rondônia sobre História e memória geraram artigos, estudos e algumas teses de
mestrado e doutorado em Rondônia, tendo como ponto de partida a História e a
memória no estudo da História regional. Trabalhos com descendentes de
quilombolas, trabalhos com povos nativos para preservar sua língua, cultura e
costumes, valorização das festas populares, trabalhos com os caboclos e
ribeirinhos e tantos outros, vem desenvolvendo muito a História de Rondônia.
Para o Historiador Paul Thompson “a História oral é um método de investigação
do passado que tem como natureza a criação, a cooperação, o diálogo, o debate”.
A
memória, seleciona, fragmenta, às vezes esquece, lembra, relembra, sofre influência
coletiva, sofre influência do Estado, pode sofrer lapso e amnésia, pode
inventar, aumentar e acima de tudo a memória muda o sentido de percepção e
sentimento. Algo que víamos como negativo em um acontecimento passado, pode
agora ser visto apenas como aprendizagem que nos ajudou, nos moldou. A memória
em si não é História, mas a História oral é História, logo a memória passa a
ser história quando estudada, pesquisada e documentada. A aplicação de método
pelo pesquisador e a confrontação dos fatos, levam a memória oral para a
História oral. Sobre a importância da História oral Paul Thompson ressalta:
“A
história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida
para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis
vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo.
Estimulam professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a
história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade.
Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade
e autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes
sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que
partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a
determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres
humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos
mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E
oferece os meios para uma transformação radical no sentido social da história”.
(THOMPSON;1992:44)
A História oral está ligada à “história dos de baixo”, à volta do
acontecimento e a valorização do indivíduo. Philippe Joutard explica que a
história oral apareceu com três inspirações iniciais, que seriam: 1) ouvir a
voz dos excluídos; 2) trazer à tona as realidades indescritíveis; 3)
testemunhar as situações de extremo abandono. Joutard afirma que por meio do
oral seria possível apreender com mais clareza as verdadeiras razões de uma
decisão, por se penetrar no mundo do imaginário e do simbólico (2000: 33-34). História
oral é hoje uma dimensão da história, deixou de ser fonte somente, e passa à
metodologia da história. Com isso mudou-se a visão de que os historiadores são
guardiões da verdade, pois entre a história
apreendida pelos indivíduos no seio de uma sociedade e a feita pelos
historiadores, há uma lacuna. Assim as distorções da memória são tomadas com um
recurso e não como um problema, afinal, o processo de relembrar pode ser meio
de explorar os significados subjetivos da experiência vivida e a natureza da
memória coletiva e individual.
A memória é sempre uma construção feita no presente a partir de
vivências ocorridas no passado. A entrevista com pioneiros já idosos dará uma
visão do passado, dos acontecimentos trazidos com os anos de vida e
experiência, com a maturidade, sem a preocupação com a vaidade, mas com a
alegria da valorização dos acontecimentos do passado e das suas histórias. Logo
é uma oportunidade para o entrevistado reviver, recontar e registrar seu
passado e ainda uma oportunidade para o entrevistador trabalhar assuntos
contemporâneos e centrar-se na memória humana e sua capacidade de rememorar o
passado enquanto testemunha viva do vivido. De acordo com Albert,
[...]
a história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas
contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a memória
dos seres humanos alcance, para que se possa entrevistar pessoas que dele
participaram, seja como atores, seja como testemunhas. É claro que, com o
passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de
consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos (ALBERTI, 1989:4).
A História usa-se da memória para chegar a interpretações e informações
que outras fontes não podem proporcionar o que contribui para um aumento das
possibilidades de conhecimentos dentro dessa nova história que ainda se
estrutura. Como defende Joutard, “a história oral, tem mais que nunca, o
imperativo de testemunhar, tendo a coragem de permanecer história diante da
memória de testemunhos fragmentados que têm o sentido de experiência única e
intransmissível” (JOUTARD, 200: 35).
O que chamamos de história oral é de fato uma prática muito antiga,
ligada a vida dos antepassados, aos contos populares, tradição sociocultural,
ao universo da comunicação humana. A História surgiu contada, até constituir-se
na escrita do depoimento realizado, das impressões registradas, dos métodos,
normas e legislação disciplinada em sólidas escritas que a legitimam. Com a
finalidade de perpetuar, de maneira mais segura e perene, nosso passado. (MATOS,
Júlia S. SENNA, Adriana K. 2011:97). A história oral pode ser entendida como,
[...] um
método de pesquisa que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que
participaram de, ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo,
como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de estudar
acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias
profissionais, movimentos, etc. (ALBERTI, 1989:52).
A História oral é uma metodologia histórica que ajuda para que, o rumo,
o trajeto dos indivíduos e dos grupos seja ouvido, e também os aspectos de cada
sociedade devem ser conhecidos e respeitados. Paul Thompson esclarece:
[...] a
história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional,
mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em
diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como também
descobrir e valorizar a memória do homem.
A memória de um pode ser a memória de muitos possibilitando a evidência
dos fatos coletivos (THOMPSON, 1992; 17)
A memória alimenta a história e esta a submete à crítica. A memória está
sujeita ao esquecimento, a fragmentação, a distorções. Porém não se pode apagar
o fato de que muitas vezes é a história que passa por cima da memória, impondo
sua interpretação e esmagando as memórias locais. Dessa forma, também a
história deve ser submetida à crítica sempre.
O
processo migratório na região amazônica é abordado de forma satisfatória nos
livros de história? Rondônia não tem uma cultura própria? Como o fluxo
migratório influenciou e influencia diretamente na formação sociocultural e na
formação da identidade local? Quais as motivações que levaram ao fluxo
migratório para Rondônia?
O
processo migratório para Rondônia nos anúncios oficiais prometia um “eldorado”.
Será que foi isso que as famílias encontraram em Rondônia? O processo de
migração implica em adaptação a nova região. Como isso ocorreu? Como foi a
chegada à nova terra? As expectativas foram alcançadas? Como podemos identificar a cultura da região
através dos seus migrantes? E como vem sendo formado a identidade da região com
os filhos e netos dos migrantes? A valorização da história oral, da pesquisa da
memória oral e a transformação dessas perguntas em respostas podem contribuir
no ensino de história regional e ajudar a responder se de fato temos ou não uma
identidade sociocultural local. As cidades de Rondônia no eixo da BR364 e outras
cidades próximas do eixo da BR364, tiveram o processo migratório interligado, embora
algumas regiões receberam migrantes
vindos de uma mesma região do Brasil e ganharam com isso algumas
singularidades. Logo algumas regiões tiveram uma colonização vinda de pessoas
dos estados da região sul do Brasil, esse processo não ocorreu só por incentivo
do governo, mas principalmente pela influência de familiares e amigos que iam
incentivando e trazendo e convidando outros da sua família e da sua cidade.
Muitos já eram migrantes, como tinham deixado seu estado e migrado para o Mato
Grosso, incentivado pelo governo Vargas e agora, mais uma vez migravam agora
incentivados pelos governos militares. Assim também há regiões com mais
migrantes do Espirito Santo, outras com mais mineiros, nordestinos etc... Mas
então como termos uma cultura de Rondônia, se tivemos migrações no interior do
estado tão diferentes? E ainda tão diferentes das regiões mais antigas do
estado como o Vale Guaporeano e a região do rio Madeira?
Quando deixamos um local, uma cidade ela para no tempo pra nós, ficamos
com as imagens e lembranças da cidade no passado, da nossa época na cidade,
porém a cidade sofre mudanças, porque as pessoas mudam, a vida é dinâmica e nós
mudamos e somos mudados e influenciamos a mudança. Logo a cidade que deixamos
não é a mesma e nós que mudamos não somos os mesmos. Assim podemos afirmar que
um sulista da região do cone sul de Rondônia não é o mesmo sulista que um
morador do Paraná ou Santa Catarina, porque o Paranaense e catarinense agora em
Rondônia sofrem as influencias do meio, da mistura rondoniense e não acompanhou
mais as mudanças ocorridas na sua região de origem. Agora então temos um
sulista rondoniense, não mais um sulista paranaense ou catarinense, logo tem ai
à formação da cultura local que podemos estudar a partir do processo
migratório. Será então que Rondônia tem várias culturas locais, conforme a influência
do processo migratório? O processo migratório é a chave para compreendermos o
processo sociocultural das cidades de Rondônia? Creio que a pesquisa de
História oral e memória na história regional, o estudo da migração para
Rondônia e a formação sociocultural podem contribuir para essas respostas.
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